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Palestinos em Abu Ghosh fazendo o juramento de fidelidade à causa árabe durante a Grande Revolta em 1936. Foto: G. Eric e Edith Matson

O atual massacre de palestinos por Israel já é tão catastrófico quanto o de 1948

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Em um cenário de massacre, cadáveres enterrados em valas coletivas, deslocamento em massa de milhões de pessoas, a crítica a Israel tem crescido mundialmente, mas só a entrada de novos atores como a China pode conduzir à paz.

UMA ENTREVISTA DE

Hugo Albuquerque

Falamos com Bruno Huberman, professor de Relações Internacionais da PUC-SP, especialista em Palestina, sobre o momento atual do massacre dos palestinos em Gaza. Desde os desdobramentos da limpeza étnica em curso às possibilidades catastróficas de uma ampliação regional do conflito — e também das possibilidades para a paz, agora que entram em cena novos atores geopolíticos como a China e, ainda, se avizinham as eleições presidenciais americanas, colocando entraves ao apoio de Joe Biden à ação israelense. A situação atual é tão grave quanto aquela que se deu após a partilha da Palestina e a consequente fundação do Estado de Israel no final dos anos 1940.


HA

Avança a emergência humanitária em Gaza sob ataque israelense: falta água, comida e atendimento hospitalar básico, em suma temos dois milhões de seres humanos em grave risco de vida. Israel pretende expulsá-los para o deserto do Sinai, no Egito. Quais as possibilidades disso acontecer?

BH

O plano ainda é expulsar os palestinos para o Sinai e esse plano está sendo movido em etapas, conforme o WikiLeaks atesta como verdadeiro — e, assim, terceirizar a questão de Gaza para o Egito.  Isso já está presente desde os anos 1940, com a expulsão de centenas de milhares de palestinos, e se fundamenta na ideia de que os palestinos são genericamente “árabes” e, portanto, poderiam se abrigar em qualquer país árabe.

Agora, Israel alega que a sede do Hamas estaria em Khan Younis, no sul da Faixa de Gaza, para justificar um ataque. O objetivo é empurrar os palestinos para o Egito. Inclusive, recentemente se falou que Israel estaria negociando com os Estados Unidos um alívio de dívidas do Egito com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para que ele possa aceitar receber os palestinos expulsos de Gaza.

O ditador egípcio Al-Sisi sabe que isso é um enorme problema, uma vez que o Hamas é inimigo do seu governo, uma vez que ele é aliado da Irmandade Muçulmana, sua adversária interna.

HA

Depois da inércia dos líderes muçulmanos e árabes em relação a Israel, mas com a piora da situação, agora uma delegação liderada pela Arábia Saudita irá até a China. O que esperar disso?

BH

A inércia relativa dos líderes árabes é reveladora do poder que os Estados Unidos e Israel ainda têm no Oriente Médio. De fato, já houve consequências como a interrupção das negociações entre israelenses e sauditas; Turquia, Bahrein e Jordânia também chamaram seus embaixadores de volta – enquanto, especificamente, o Bahrein teria rompido relações comerciais.

Mas essas movimentações, por enquanto, são apenas para satisfazer a opinião pública interna desses países, que é muito favorável à causa palestina — tanto que os cidadãos desses países estão indo massivamente às ruas.

Há, ainda, o caso da delegação árabe, liderada pela Arábia Saudita, que foi à China buscar um aconselhamento e um maior envolvimento de Pequim na questão, o que pode levar a uma mudança. E temos o exemplo de como os chineses, recentemente, mediaram a paz entre o Irã e a Arábia Saudita.

Os chineses conseguiram representar de uma maneira melhor os interesses árabes — e palestino incluso –, porque apesar da aliança entre americanos e israelenses, a China tem uma boa relação com Israel e os dois países fazem grandes trocas comerciais. A atuação chinesa era bastante tímida sobre o genocídio de Gaza, mas hoje ela tem influência e capital para mover as peças necessárias e contribuir de forma decisiva para a paz.

HA

Do ponto de vista interno de Israel, o que esperar do futuro próximo? Netanyahu é criticado, mas ainda lidera o governo de Israel, o que talvez cesse apenas com o final da guerra; agora, e se a conjuntura, daqui para frente, não for um permanente estado de guerra?

BH

A sociedade israelense tem passado por um “reavivamento patriótico” muito grande, o qual marca o esvaziamento da esquerda do país. Pesquisas apontam que o Partido Trabalhista, que fundou o Estado, não entraria sequer no parlamento na próxima. Isso é um processo importante, pois uma grande parte do eleitorado se divide hoje entre um setor centrista e outro de extrema-direita. Esses centristas não querem negociar uma paz justa com os palestinos e são racista e desumanizadoras — e são liderados por Yair Lapid, um dos favoritos para suceder Netanyahu.

Mas hoje, o fato é que essa extrema-direita segue no poder com Netanyahu, que está liderando um governo de unidade nacional. Apesar das pesquisas mostrarem uma insatisfação muito grande contra Netanyahu, elas não mostram o mesmo contra o esforço de guerra — e é a política que o sustenta no poder.

Muitos israelenses culpam o governo Netanyahu pelas falhas de inteligência e segurança que teriam permitido o ataque do Hamas no 7 de outubro, mas eles estão a favor desse estado de guerra. Portanto, é possível que Netanyahu busque um estado de guerra permanente para se manter, por mais que o clamor por cessar-fogo esteja crescendo no Ocidente, ainda que a passos lentos.

A questão é se os Estados Unidos, um país cuja opinião pública é favorável ao cessar-fogo imediato, vão apoiar, ao contrário, um aumento gigantesco do esforço de guerra. Então, Israel terá, em tese, de parar com isso, enquanto o ano eleitoral americano se aproxima. O apoio de Joe Biden ao conflito está se transformando em algo muito impopular, sobretudo entre sua base jovem e também entre a estratégica comunidade árabe-americana. A guerra, contudo, só continua por causa do poder do enorme lobby israelense, mas há um limite — e este limite virá da sociedade americana, não da sociedade israelense.  

HA

E quais as chances de uma regionalização do conflito no Oriente Médio?

BH

O conflito já está regionalizado. Existe um limite entre o norte de Israel e o sul do Líbano. Já há envolvimento dos rebeldes houthis do Iêmen, que lançaram alguns mísseis e confiscaram embarcações israelenses, o que vai obrigar Israel a não usar o Canal de Suez para chegar em lugares da África e da Ásia — o que vai atrapalhar negócios dos israelenses; o conflito, lembremos, é bom para o complexo bélico-industrial de Israel, mas não para o resto da economia.

Portanto, existe um eixo de resistência contra Israel que envolve, portanto, Hamas em Gaza, Hezbollah no Líbano, os houthis no Iêmen e outros setores menores no Iraque. A tendência é uma distensão pela vontade americana e chinesa, embora Israel ameace uma grande ofensiva contra o Líbano — o que não é possível sem o aval americano; do mesmo modo, um ataque do Hezbollah contra Israel só ocorreria com o apoio do Irã.

HA

E o que dizer desse anúncio desencontrado de trégua, que tem sido adiada?

BH

Essa trégua entre Israel e Hamas é muito bem-vinda, mas poderia ter vindo há semanas, pois temos relatos que um acordo semelhante havia sido proposto pelo Hamas logo no início, muito antes da invasão terrestre e da radicalização do bombardeio. Então, isso revela como Israel se negou a negociar com o Hamas sob o discurso fraudulento de que “com terrorista não se discute”, tudo para manter um contexto que lhe permitiria executar uma ação militar vultuosa, que significasse a limpeza étnica do norte de Gaza e o risco de expulsa de todos os palestinos de lá, que é a situação atual.

Aceitar a trégua significa que Israel encontrou dificuldades de alcançar o seu objetivo militar, isto é, derrotar o Hamas. E agora Israel está encontrando tempo para recalcular a rota. Pois o Hamas segue conseguindo resistir à operação terrestre e ainda bombardeia Israel. A trégua serve também para diminuir as críticas de que Israel está cometendo um genocídio e, assim, se colocar como respeitoso ao direito humanitário, o que é uma falácia.

Os atrasos na implementação da trégua parece ser que Israel almeja chegar nos 15 mil mortos oficialmente — para, ao menos, igualar o número de mortos da Nakba Palestina de 1948, sendo que já ultrapassou o número de deslocados, que gira em torno de 1 milhão contra 750 mil em 1948 e a destruição de residências já passa das 40 mil, além de outras 220 mil danificadas, somado à destruição de escolas, hospitais, fazendas e infraestruturas de esgoto, água, comunicação e viárias, contra 550 vilarejos em 1948. Parece haver a intenção de fazer da Nakba de 2023 um evento verdadeiramente paradigmático para o povo palestino.

Sobre os autores

é publisher da Revista Jacobina, editor da Autonomia Literária, mestre em direito pela PUC-SP e advogado.

Bruno Huberman

é professor do curso de Relações Internacionais da PUC-SP. Doutor e mestre em Relações Internacionais pelo programa Santiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP). Integrante do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI) e do Instituto Nacional para Estudos dos Estados Unidos (INCT/INEU)

Cierre

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Published in DESTAQUE, Direitos Humanos, Entrevista, Guerra e imperialismo, Militarismo and Oriente Médio

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